No princípio o mundo não existia. As trevas cobriam tudo. Quando não havia nada, brotou uma mulher de si mesma. Surgiu suspensa sobre seus bancos mágicos e cobriu-se de enfeites que se transformaram em uma morada. Chama-se etãn bë tali bu (quartzo, compartimento ou camada). Ela própria se chamava Yebá belo (terra, tataravó), ou seja, avó do universo. Aconteceram coisas misteriosas para que ela pudesse criar-se a si própria. […] Seu pensamento começou a tomar forma e levantar-se como se fosse uma esfera, culminando numa torre. A esfera, ao elevar-se, incorporou toda a escuridão. Dessa maneira, a escuridão ficou dentro daquela esfera, que era o universo. Ainda não havia luz. Só no compartimento onde ela se fez havia luz, porque era todo branco, de quartzo.
—Cosmologia Desana1
Introdução2
Na geopolítica do conhecimento, do período colonial ao republicano, no contexto da América Latina, os estudos antropológicos e históricos foram centrais na construção da ideia de desaparecimento de comunidades, povos e nacionalidades de Abya Yala, no sentido Kuna do termo, que, ao contrário do atributo colonial, refere-se ao continente ocupado por uma infinidade de complexos societários indígenas que, nas palavras de Ailton Krenak (2021, p. 64), “invocam outras memórias destes vastos territórios com uma vasta humanidade plural, com cosmovisões e outras percepções de presença no mundo”.
A partir de uma reflexão sobre a produção histórica do hemisfério ocidental, no imaginário tanto da elite criolla branca anglo-saxã quanto da elite criolla branca hispânica, Walter Mignolo (2005) pontua que a negação da Europa não significou a negação da europeidade. No contexto da independência das ex-colônias latino-americanas e da construção dos estados nacionais, marcando a diferença colonial com marcadores raciais, conclui que a elite crioulla se considerava americana, sem, no entanto, deixar de ser—ou de querer ser—europeia. Negavam, portanto, quaisquer vínculos com o indígena: “A consciência criolla em sua relação com a Europa forjou-se como consciência geopolítica mais que como consciência racial. [Forjando-se] internamente na diferença com a população ameríndia e afro-americana” (Mignolo, 2005, p. 41). Com base na política assimilacionista, antropólogos e historiadores propagaram essa ideia como corolário sobre o Outro.
Estudando o caso brasileiro, a historiadora Maria Regina Celestino de Almeida (2010) observa que, desde a História do Brasil, de Francisco Adolfo Varnhagen (1854), as populações originárias, uma vez submetidas pelas guerras de conquistas e pelos descimentos, eram consideradas objetos de um processo de aculturação e perda de identidade. Integrados à ordem colonial, os sujeitos deixavam de ser índios e passavam a espelho do colonizador, súditos do Rei e fiéis a Deus. Nessa perspectiva do oitocentos, o fim dessas populações era o seu desaparecimento da cena histórica, na qual só constavam como derrotados nos confrontos com as forças do Império Colonial ou destituídos de presença no palco dos acontecimentos. Tratado pela antropologia como objeto do passado, a existência de comunidades e nações indígenas só era possível no enquadramento de “povos primitivos”, localizados ainda na infância da humanidade, sem história e sem contemporaneidade.
Diante dos discursos do colonialismo que anunciam a extinção dos povos e nacionalidades de Abya Yala e sua incapacidade de controlar a produção da própria imagem, Amália Córdova (2011) observa que as cinematografias indígenas são fundamentais na demolição desses mitos. Especialmente porque, com as tecnologias audiovisuais, os realizadores/as “logran documentar su memoria histórica y el acontecer actual, plasmar sus saberes y costumbres, educar a los jóvenes en las tradiciones y lenguas, y fortalecen la identidad comunitaria en una compleja realidad contemporânea” (Córdova, 2011, p. 82-83). Assim, múltiplas são as formas do uso do audiovisual pelas comunidades: por um lado, desenvolvem processos de produção, formação e difusão; e, por outro, colocam em quadro problemáticas históricas e contemporâneas; manifestações, saberes e conhecimentos ancestrais. Nesse contexto, o cinema indígena se tornou artefato de memória e denúncia política, além de campo de experimentação cinematográfica e cultural, com o preciso controle do que está atrás e diante da câmera e reafirmação da presença indígena na história.
A antropóloga americana Faye Ginsburg (2002, p. 50), ao estudar a mídia aborígene na Austrália, constata que são justamente o cinema e a fotografia as evidências concretas de um mundo que (re)existe, mas, secularmente, foi invisibilizado pela “história das relações coloniais do olhar”. Nesse movimento, apresenta, na história do filme etnográfico, a quase anedota envolvendo o antropólogo inglês Alfred Court Haddon, que, preocupado, com a iminente extinção de um povo, correu para registar as tradições da Ilha Mer (Murray), em 1898, antes que desaparecessem: “Instead, the Haddon footage provided the visible evidence — the screen memories — that proved the opposite: that they are still very much alive and continue to occupy the land that has been part of their cultural legacy” (Ginsburg, 2002, p. 51). Em uma perspectiva de reversão do estatuto das imagens de Haddon, que pretendia provar que uma cultura tinha sido extinta, os seus registros foram fundamentais para a reinvindicação territorial, reposicionando, paradoxalmente, as gravações em uma dimensão indicial não prevista. O que se sucedeu foi o desvio da intenção de Haddon, com suas imagens se tornando documentos comprobatórios da “[…] cultural persistence” e o argumento para “indigenous claims to their land and cultural rights in the presente.” (Ginsburg, 2002, p. 51).
A esse discurso propalado pelos dispositivos de poder do colonialismo, ao estudar o contexto estadunidense, a historiadora de ascendência Tsalagi (Cherokee) Roxanne Dunbar-Ortiz (2015, p. 9) chama “de una presunción de desaparición” dos povos e nações, que acompanha as práticas históricas do genocídio. Em sua perspectiva, é preciso permanentemente colocar em evidência a “supervivência”, no tempo presente, dos povos indígenas, que é sobretudo resultado de séculos de luta e de (re)existência: pois “Sobrevivir al genocídio, por los medios que fuere, es resistência” (Dunbar-Ortiz, 2015, p. 10 – destaque da autora). Entre a extinção dos povos e nacionalidades e a evidência da sua presença no campo das tecnologias audiovisuais, Naine Terena (2022) cunhou expressão emblemática: “Eu estava aqui o tempo todo e você não me viu: desafios e conquistas da arte indígena contemporânea brasileira”3—chamando a atenção para a invisibilidade que essa práxis do apagamento gestou ao longo dos séculos.
O antropólogo Eduardo Viveiros de Castro (1999), em uma reflexão sobre o campo antropológico brasileiro, entre a etnologia clássica (ou antropologia indígena) e a etnologia do contato interétnico (escola contatualista), enreda um complexo analítico para situar qual o lugar da Antropologia no que se refere aos povos indígenas, em última instância, o papel desses povos no seu próprio mundo e no mundo circundante. O autor avança quando distingue as correntes de uma área do conhecimento preocupada com os sujeitos entre objeto do olhar do estado nacional—desde fora—e a potência criadora desses coletivos constituintes do “‘mundo dos brancos’ como um dos componentes de seu próprio mundo vivido” (Viveiros de Castro, 1999, p. 115). Ao rotacionar os polos da situação colonial, compreende qual ponto de vista deve adotar: se a perspectiva das comunidades indígenas, que se torna a categoria a situar o colonialismo; ou se a do Estado-nação, que se constitui como instância a contextualizar o Outro. Nesse sentido, a inversão de perspectivas, do lugar que os sujeitos da experiência ocupam na história e na produção do conhecimento, é substancial.
Autorrepresentação
Em resposta a essa problemática política e histórica, em um giro autorreferencial (histórico, político, estético), ao assumirem a autogestão dos processos, da produção e dos produtos audiovisuais, os povos e comunidades de Abya Yala, com o trabalho sobre as imagens, definem concepções sobre o mundo histórico em seus próprios termos, ora em confronto com os sistemas de silenciamento, de essencialismos e de verdades naturalizados da sociedade nacional (Pacheco de Oliveira, 2016), ora se voltando para a sua história, o seu patrimônio cultural e o seu complexo cosmológico. Ao olhar para si e para o seu mundo, para as questões que lhe são centrais, a partir dele e não apenas sobre ele, o cinema dos(as) realizadores(as) indígenas se posiciona como agenciamento histórico. Assim, no campo da autorrepresentação, ao fissurar a fronteira entre antecampo e campo das imagens, questões da autocomunicação não colocam em crise uma perspectiva fílmica autorrepresentacional indígena, como pode induzir a observação de Annie Comolli (2009, p. 34) ao pensar o cinema antropológico quando instância situante: “Não se trata, para o cineasta, de se dar a ver pelo viés do que mostra no filme, mas de dar a ver o outro” – escreveu a autora pensando as lentes posicionadas desde fora.
Como já observamos em outro momento (Felipe, 2024a; 2022), se as discussões sobre essa matriz audiovisual (de fatura etnográfica) poderia se configurar como um problema, essas questões de dar a ver a si, ao contrário, são campo potencial no âmbito das cinematografias indígenas, principalmente porque voltar-se para si e para o seu mundo, para as questões e problemáticas que os atravessam, é dimensão—por assim dizer—ontológica de uma política epistêmica audiovisual de Abya Yala. Ao contrário, diante das lentes dos(as) realizadores(as) originários, trata-se antes de se dar a ver pelo viés do que mostra no filme, uma vez que “dar a ver o outro” encerra um truísmo: quem filma, quem é filmado e o que filma integram o mesmo locus político, epistêmico, comunal—que apenas a perspectiva própria, assumida pelos sujeitos da experiência,consegue devolver o mundo histórico em sua complexidade ao mundo em imagens.4 Nesse sentido, os cinemas de Abya Yala são praticamente um cinema de si, mas, transcendendo a esfera pessoal, assumem um viés comunal, coletivo, ainda que com suas cisões e fissuras, à medida que manifesta um olhar mais amplo, de um todo maior do que a assinatura personalíssima do cinema—com licença da palavra—de autor.
Situando na contemporaneidade, Naine Terena (2020) elenca uma série de operações de artistas-comunicadores que sinalizam outras paisagens midiáticas e de linguagem na arte contemporânea, inclusas as cinematografias indígenas, a partir de realizadores(as) como Olinda Yawar Tupinambá, Denilson Baniwa, Sueli Maxacali, Patrícia Pará Yxapy (Mbya Guarani) e a Associação Cultural de Realizadores Indígenas (Ascuri): com suas estéticas e tecnologias multifacetadas, estratégias de colagens, remontagens e ritualizações, seus mecanismos de (re)elaboração do visível e do invisível de suas cosmovisões; perspectivas fílmicas abertas à escuta da comunidade para envolvê-la e torná-la coprodutora dos processos criativos, que, de verniz experimental e ensaístico, revelam o mundo em que vivem e que querem construir.
Diante desse contexto, a categoria gênero cinematográfico, a partir de certos códigos e modos fechados em certas operações e procedimentos, não consegue encaixar sua moldura no que passou a ser reconhecido como cinema indígena. Primeiro, essa impossibilidade se dá face à complexidade e à diversidade que se evidencia nos diversos modos e nas formas fílmicas gestados pelos cineastas e coletivos indígenas, quebrando toda e qualquer expectativa do campo da audiência por não obedecer à lógica dos invariantes—no sentido de Marie-Thérèse Journot (2019). Segundo, porque suas formas apontam para uma complexidade de linguagem que acontece dentro e fora do filme (as personagens míticas criadas, por exemplo, por Olinda Yawar Tupinambá e Denilson Baniwa), em seus formatos híbridos e desmoldurados, relacionando-se, estreitamente, com as tensões políticas étnicas e movidas por um desejo de visibilidade e de defesa do seu patrimônio histórico entre o registro e o experimental, o arquivo e o contra-arquivo, a autoetnografia e o artefato fílmico contracolonial.


Por último, a estrutura temático-formal clássica não se sustenta ipsis litteris entre os filmes de registro e os filmes de denúncia. Sua complexidade, no corpus que se tem delineado nas últimas duas décadas, enseja modos e formas mais urgentes, da imediaticidade dos eventos ao desenvolvimento de screen memories (Ginsburg, 2002), performáticos e, ao mesmo tempo, (co)extensivo ao extracampo. Portanto, possibilita, a seu modo, outras experiências para além do registro e da representação, permitindo aos(às) realizadores(as) explorarem as imagens como espaços de experimentação, artefatos de mediação e interação entre comunidades e entre esta e a sociedade nacional e, especialmente, a inscrição do visível e do invisível em/para além de suas bordas (Brasil, 2016a), liberando outras portas para que adentremos lugares nem sempre evidenciados na/pela materialidade fílmica.
No marco do cinema—de fatura—experimental, com seus modos e formas específicos, adentrando o lugar que as cinematografias indígenas de Abya Yala se enunciam, dentre vários nomes, destaca-se o do realizador Mapuche Francisco Huichaqueo, que nasceu em Valdívia, no Chile, em 1977.5 É um cineasta de obras ensaísticas, documentárias e experimentais, curador de exposições e instalações, professor da Universidad de Concepción e realizador de inúmeros filmes. Desde os anos 2000, é um dos principais cineastas de Abya Yala e tem suas obras exibidas em festivais internacionais, como o ImagineNATIVE, em Toronto, no Canadá. Responde pela curadoria de eventos sobre o mundo Mapuche em museus e galerias, estudou na Escuela de Cine de Santo Antonio de Los Baños, em Cuba, e participa de residências artísticas—de Taiwan, França, ao México. Como um dos agentes da Galáxia de Lumière, programou a mostra Primeras Naciones do Festival Internacional de Valdívia e, na bifurcação dessas práticas, como artista, programador e docente, situa-se o cinema de Huichaqueo em suas múltiplas formas: filme documentário, ensaístico e experimental.
Como ponto fora da curva da paisagem contemporânea do cinema indígena “latino-americano” (político, comunal, originário), observa-se que a sua poética audiovisual é—em muitos momentos—indissociável da práxis curatorial e docente, com os seus filmes se confundindo com as instalações e as exposições que organiza, a partir de um movimento semelhante ao que tem explorado a cineasta Olinda Yawar Tupinambá entre a entidade Kaapora (do filme homônimo) e a performance Reflorestar (2024), apresentada pela primeira vez com o multiartista indígena Ziel Karapotó na abertura do Pavilhão Hãhãwpuá, o pavilhão brasileiro na 60ª Bienal de Veneza; e que depois se repetiu com a personagem-onça Ibirapema (do filme homônimo) para além das bordas dos filmes, com o corpo-território/corpo-cosmológico de Olinda quebrando a quarta-parede e se desenvolvendo na arena pública do mundo histórico.6
No enredamento dessas práticas confluentes, tanto o cinema de Olinda Tupinambá quanto o de Francisco Huichaqueo se assentam em uma escritura fílmica marcadamente contemporânea em diálogo com as formas ensaísticas e experimentais, sem perder os vínculos com as dimensões cosmológicas e com a ancestralidade do seu povo. Distantes, por sua vez, da ideia de que o cinema indígena se movimenta no contexto de uma “poética de los medios imperfectos” (Córdova, 2011) ou no quadrado, usado sempre no sentido mais pejorativo, do vídeo comunitário ou do vídeo indígena (Tunubalá, 2024),7 quando a ele se referem como expressões audiovisuais pouco acabadas ou amadorísticas.
Intercalando diversos tipos de materiais—arquivos coloniais do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) do tempo do isolamento; os arquivos dos Salesianos das ações de conversão; extratos de produções realizadas, desde 1990, no contexto do Vídeo nas Aldeias (VNA); fotografias de velórios e do contato; recortes da imprensa e áudios de telejornais—, em Abdzé wede’õ – O vírus tem cura? (2021), o cineasta Xavante Divino Tseerewahú opera entre o flagelo que foi a contaminação do coronavírus nas aldeias Xavante e concepções sobre a imagem que a remete para outras dimensões. Trabalha sobre várias camadas de tempo—passado, presente, futuro—intercaladas e, permanentemente, retroalimentando-se, o que fica palpável na materialidade híbrida, a partir do uso de diversos materiais de base. A cada segmento, joga-nos para o passado ou o coloca no instante presente, ora prolongando-o no tempo e além do instante episódico (a história das epidemias quando do contato, as roupas contaminadas pelos brancos, a coceira corporal, a dizimação e a fuga), ora contextualizando-o, paradoxal e aparentemente, para isolá-lo como evento a ser aprofundado em sua historicidade (a falta de protocolo para os Xavante, o isolamento e os rituais de defesa, a morte em massa dos anciãos, o retorno e o avanço no tempo para, em flashback, retornar ao ano de 2020).
Paralelo ao desenvolvimento do registro fílmico, em Abdzé wede’õ – O vírus tem cura?, o realizador Divino Tseerewahú reflete permanentemente sobre o cinema, sua história e formação no audiovisual, a ponto de, em uma perspectiva reflexiva, atribuir ao cinema um lugar de abertura da consciência para o mundo. As reflexões sobre o poder da imagem como registro, a imagem como prolongamento da vida após a morte e como espaço de cura, aparecem como segundo fio condutor, porque, para Tseerewahú, “O cinema também é uma arte de ensinamento”. Percebe-se permanentemente, no contexto audiovisual dos povos e nacionalidades, a possibilidade de criarem imagens que transcendem a matéria: “Cinema tem alma, cinema tem espírito. Se eu morrer, a minha alma tá na imagem, está lá na tela. Alguém vai me ver, alguém vai me ouvir. É espírito, é a minha espírito que tá falando”. Em contraste com o locutor dos cinejornais, a narração “incorreta” do cineasta Xavante pensa com as imagens, demarcando certa reflexividade, simultaneamente ao evento epidemiológico.
Dimensão comunitária
Com Ruben Caixeta de Queiroz e Renata Otto Diniz (2018), que estudaram a cosmocinepolítica Tikm’n-Maxakali, a centralidade da dimensão coletiva na produção audiovisual indígena ganha maior concretude. Por conseguinte, o campo, o extracampo e o antecampo se tornam categoriais fundamentais: não necessária ou especificamente na condição de categorias dos estudos de cinema.8 A partir do conceito de filme-ritual, observam o imbricamento e a retroalimentação dos processos que envolvem a pré-produção, a produção e a difusão no cinema indígena. Além de compreenderem a pré-produção como um processo mais alongado do que no cinema industrial, concluem que o que acontece antes ou fora do processo de produção determina o que acontece no decorrer das gravações—tanto rituais, temáticas ou questões que orientam a feitura do filme quanto o posicionamento das lideranças e da comunidade sobre o como e o que pode ser inscrito em imagem. Por extensão, entrelaçadas com a pré-produção, são etapas que também se constituem: o que se passa nos filmes é uma extensão do mundo histórico cotidiano e ancestral que acontece na aldeia, bem como o que se passa após o filme finalizado (ou seja, no dispositivo de exibição, quem vê e o espaço comunitário de recepção do filme). Nas palavras de Caixeta de Queiroz e Diniz (2018, p. 64/66), o antes, o durante e o depois são “horizontes cruciais na pragmática do cinema indígena”, de modo que “esses cineastas indígenas não fazem apenas cinema, mas ritual e política através de seus filmes, ou seja, uma espécie de cinecosmopolítica”.
Em um de seus trabalhos mais antigos, ao analisar Wapté Munhõnõ: iniciação do jovem Xavante (1999), Caixeta de Queiroz (2008) já vinha se movimentando nessa impossibilidade de separar o mundo do cinema do mundo—com seus códigos e sistemas históricos—das comunidades.
Nele, podemos ver a fusão da vida cotidiana com a vida ritual e ver também o ato de filmar inseparável dos processos e das práticas que possibilitam que tanto o filme quanto o ritual existam […]. Contudo, ao ser filmado, o ritual recoloca a questão das facções: quem vai filmar? Quem ficará com o produto final? Onde e como fazê-lo circular? Filmagem (oficina de realização), filme e ritual estão inapelavelmente conectados (Caixeta de Queiroz, 2008, p. 112).
Nesse enclave, adensando a perspectiva das questões internas, entra o comentário de Divino Tserewahú sobre o ato de “desmanchar os filmes”. No curso “Pensamento, cinema e política Xavante”, em 2016, como parte do Programa de Formação Transversal em Saberes Tradicionais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ao comentar o documentário Iniciação do jovem Xavante (1999), Tseerewahú informa que irá desmanchar todos os seus filmes e, na sequência, refazê-los, com planos mais longos, ancorados na multiplicidade de olhares (dos anciãos, das mulheres, da comunidade) e com uma duração acompanhando a dos rituais. Em sua concepção, está à procura do olhar indígena, que exige se adotar certa negociação com a comunidade para fazer um filme verdadeiramente indígena, diferente da versão divulgada em mostras e festivais, eventos e plataformas virtuais.
Analisando essa perspectiva, que apontava para certa especificidade e operação—por assim dizer—em seus próprios termos, Brasil e Belisário (2016, p. 602) observam que desmanchar um filme significaria então: “refazê-lo, distendê-lo, alongar seus planos, abrir o filme a suas relações com o fora – sejam elas com a comunidade, os anciãos; sejam com os animais e potências espirituais da floresta, das caçadas e dos sonhos”. Portanto, as dimensões da cosmogonia Xavante influenciam intensamente os modos e as formas que ganhariam as imagens, o mundo fílmico e os campos de indistinção entre concepção de mundo e materialidade audiovisual.
Cosmofilmias ou outras camadas da imagem
Nessa discussão, entre a revisão de sua imagem—reducionista e exotizada pelos regimes visuais coloniais—e se colocar em cena—como presença histórica, a dimensão comunitária nos interessa à medida que supera a noção ocidentalizante de território. Sendo, nesse caso, necessário acrescentarmos ainda o que a liderança Mapuche Jorge Calfuqueo compreende por comunidade, que, em seus termos, está calcada no conhecimento próprio do seu povo e cosmovisão (Kimvn). Para ele, um território transcende a dimensão espacial e geográfica, pois está atrelada às dimensões cosmológicas9, quando, por exemplo, situa o conceito de Lof, que, em sua concepção, abrange mais do que um simples espaço territorial. Em sua perspectiva Mapuche, para além dos seres humanos, um Lof é integrado por seres sobrenaturais, entidades mais que humanas e por elementos como o ar, a água, as pedras, as aves, entre outros. Lof, portanto, é um conceito ancestral que reflete a biodiversidade (itrofillmogen) e as inter-relações entre todos esses componentes na vida cotidiana. Ao contrário do termo “comunidade” usado na sociedade ocidental, o Lof representa uma conexão profunda com o ambiente e seus elementos.
Em uma perspectiva coletiva, o gestor cultural boliviano Iván Sanjinés (2024), em entrevista ao podcast Revélate, na plataforma de streaming Retina latina, concebe que o(s) cinema(s) indígena(s):
Es todo un acontecimiento de afirmación: de afirmación del idioma, de afirmación de lo propio, de afirmación de cualquier expresión que tiene esa cultura. Por lo tanto, también tiene que ver con una visión de esa relación, tanto con la política, la realidad, toda la cosmovisión y todas las formas de expresión. Por eso, también, el cine indígena tiene muchas referencias al mundo de la espiritualidad, a los dioses, a las montañas, a la naturaleza, a la madre tierra.
A partir da perspectiva interna dos povos e nações de Abya Yala, o professor e pesquisador do Departamento de Comunicação da UFMG André Brasil (2013), que vem analisando a produção audiovisual de realizadores e coletivos indígenas já há bastante tempo, acrescenta dois pilares fundamentais no campo dos estudos de cinema indígena: seja explorando, do ponto de vista formal, a fronteira—superficial, tênue e frágil—que liga o campo e o antecampo do fazer cinematográfico, seja aproximando, na perspectiva entre o visível e o invisível, o trabalho com as imagens da base cosmológica das comunidades. Entrelaçadas, como se depreende em seus estudos, essas dimensões formais e cosmológicas avançam sobre o mundo indígena fílmico para além da materialidade do mundo histórico ocidental. Isso nos permitiria compreender, por exemplo, os filmes do Tejido de Comunicacion ACIN (por sinal, assinados coletivamente), quando, adentrando a concepção do povo Nasa, do Cauca colombiano, deparamo-nos com outra noção sobre a música como ser e como espírito e não simplesmente como um simples som que ouvimos de flautas e tambores (Kwe’sx Ûus Kxi’pnxi, 2022) e acompanhamos, com a Guarda Indígena Naya, que o percurso pelo território é uma forma de fazer também com que os ancestrais percorram os lugares materiais e imateriais das comunidades (El Naya, recorrido territorial, 2021).



Em suas análises, Brasil (2013) explora as possibilidades fílmicas e políticas do antecampo, instância de enunciação posicionada atrás da câmera, com os realizadores implicando-se e posicionando-se, invariavelmente, no campo das imagens. O autor também tem desenvolvido estudos sobre como o processo de construção dos cinemas indígenas está estreitamente relacionado aos modos e às formas epistêmicas de cada comunidade, de suas dimensões cosmológicas e saberes ancestrais. Ao analisar Pi’õnhitsi, mulheres xavante sem nome (2009)10 e Mokoi Tekoá Petei Jeguatá (2008)11, além de colocar o antecampo como dimensão definidora, Brasil (2013) conclui que, ao exporem o antecampo em uma operação mise-en-abyme, os realizadores indígenas se implicam na cena como diretor, sujeito e mediador entre o dentro e o fora: “[…] Se ainda se trata de ‘reflexividade’, ela se endereça não apenas ao cinema, mas às práticas e processos culturais — interétnicos — mais amplos” (Brasil, 2013, p. 250).
Em outro trabalho para pensar os filmes como experiência xamânica, Brasil (2020) apresenta como essas relações acontecem no cinema Maxakali-Tikmũ’ũn da Aldeia Verde e da Vila Nova Pradinho, analisando-as a partir das três versões do mesmo ritual de iniciação: Tatakox espíritos da lagarta que vivem na taquara. Em diversos paralelos, aproximando a lógica cultural da do sistema de produção de sentido e significação da obra, ao analisar Caçando Capivara (2009) com base nas teses de Rosângela de Tugny, Brasil (2020, p. 164) mostra a ressonância da dinâmica dos cantos na espacialidade dos filmes. Ao nomear de cinema-morcego as operações estéticas Tikmũ’ũn, em consonância com os modos e as formas específicas de ser e habitar o mundo, Brasil (2016c, 150) apresenta como esse cinema se faz a partir de “imagens cegas, a guiar-se pelos cantos, pelos sons e suas mínimas variações, pelos eventos, muitos deles, nas bordas do não-ver. Imagens-escuta que acionam outro tipo de visão”. Desse modo, agrega o que já está imbricado nas imagens, o que pertence ao mundo do cinema e o que pertence ao mundo indígena—habitado por contextos que apontam para as relações míticas humano-animal, humanas e mais que humanas.
Em uma reflexão sobre o cinema como espaço que pode abrigar traços de uma economia política xamânica das imagens, em uma operação mais indicial do que temática, Brasil (2016b, p. 127) compreende que as imagens—como “dispositivos mnemônicos complexos” – são capazes de “dar a ver, não fatos ou objetos, mas relações; elas operam a passagem entre o mundo dos humanos e aqueles dos povos-espírito”. Considera, mais uma vez, que a práxis fílmica indígena se imbrica em outras práticas e, sendo máquina cosmológica, o cinema trabalha sobre uma matéria, em grande parte, invisível. Entre o extracampo e o campo das imagens, Brasil (2016b) observa relações interespecíficas, com o primeiro se configurando como espaço cosmopolítico em uma interação intensa com o segundo, engendrando camadas visíveis e invisíveis nem sempre entrevistas em cena. Em Urihi Haroma-timape — Curadores da terra-floresta (2013), que acompanha a performance dos xamãs que interagem com os xapiripë (espíritos auxiliares), compreende ainda que a dimensão cosmológica se expande, indicialmente, com as imagens-espíritos filmadas por Morzaniel Iramari Yanomami.
Tomado como dispositivo estritamente fenomenológico, o cinema não pode ver esses espíritos. Mas, tendo sua fenomenologia alargada, ou mesmo invertida pelos traços de uma cosmologia, trata-se menos de ver o invisível do que de ver por meio do invisível (Brasil, 2016b, p. 144).
As dimensões cosmológicas nas produções audiovisuais são constantes em diversas filmografias indígenas, afirmando, especialmente, sua dimensão política e o lugar dos saberes e epistemes de comunidades, povos e nacionalidades de Abya Yala frente ao domínio epistemológico eurocêntrico institucionalizado. Como assinalou o cineasta Mapuche Gerardo Berrocal (2024), em entrevista que nos concedeu, as oficinas de formação da ADKIMVN (Rede de Comunicadores) focavam, antes de tudo, “en la base de conocimiento propio Mapuche porque la comunicación no son los medios de Comunicación”. Distante da ótica humanocentrista, em seus próprios termos, considera que a comunicação não enfoca apenas a pessoa, o homem, medida renascentista de todas as coisas, mas ainda todo o seu entorno: o rio, o lago, as árvores—incluindo, por sinal, o mundo espiritual. Em sua percepção, ao considerar as autoridades tradicionais (Machi), as produções audiovisuais Mapuche devem se alinhar a essa lógica de mundo.
Em outros momentos (Felipe, 2024a; 2021; 2020b), analisamos filmes indígenas, como Na Misak (2018), de Luis Tróchez Tunubalá (Cauca, Colômbia); Newen (2014), de Myriam Angueira; e Ilwen, la tierra tiene olor a padre (2013), de Francisco Huichaqueo, que sedimentaram essa relação entre cinema e cosmologia, com suas operações fílmicas, redes de sentido e sistemas narrativos a partir do mundo dos povos originários. Incorporando elementos de outra ordem, permitindo que outras cenas fossem abertas e forças se estabelecessem em quadro, no caso do primeiro, a estrutura narrativa em caracol, que aponta para a teleologia ocidental, retoma dimensões da experiência histórica do diretor (corpo, biografia, pensamentos e percepções, eventos e costumes Misak: específicos—minga—e cruzados—liturgia cristã) e apresenta concepções sobre o humano, o tempo e a história (na qual transformação e permanência dão a tônica do seu lugar como indígena urbano). Nessa cosmofilmia, a lógica do mundo Misak transpõe-se para o cinema de Luis Tróchez Tunubalá como: “fluir e permanecer no território, nele crescer e transitar, ir e vir de dentro para fora e de fora para dentro, como o caracol” (Tunubalá & Tróchez, 2009, p. 17, tradução nossa).12
Em uma circularidade ininterrupta, Na Misak está sempre recomeçando, retomando e encaracolando elementos e situações, como se rumasse em direção a um ponto central, que, no último plano sobre a janela do ônibus, desemboca na água da chuva que cai sobre as ruas da cidade. Entre a cosmologia do filme em caracol e o olhar merrap,13 “Como el agua va y viene alrededor de un centro” (Hurtado et al., 2015, p. 51).
Já com Newen, como analisamos em outro trabalho, cada segmento condensa a cosmovisão Mapuche e não é por acaso que, o tempo todo, a montagem intercala planos de córregos, troncos, pássaros, água, árvores, montanhas, bichos, tempestades: as forças vitais da natureza que encerram os newen. De um filme que acompanha as Kimches –mestras dos saberes ancestrais Mapuche—pelas comunidades Tehuelche-Mapuche de Nahuelpan, na Patagônia Argentina, as lentes de Myriam Angueira não registram planos ilustrativos, de transição ou contextuais. O que recorta são planos cosmológicos que sedimentam outros elementos daquele habitat ancestral, indígena, de tradição secular. Como em Ilwen, la tierra tiene olor a padre (2013), do cineasta Mapuche de Ngulumapu Francisco Huichaqueo, sob uma escritura moldada nas relações entre pai e filho, semeia-se a terra com o registro de plantas, sementes, areia, impregnando-se o visor da câmera com as forças do fogo e da água, de campos e bichos, de vento, de árvores, de chuva.
Nessas cosmofilmias, quando, em Newen, entra o segmento do menino Mapuche prostado na janela olhando para o campo tomado por uma tempestade de neve, a decupagem aponta outra dimensão de imagem, enraizada em outras formas de vida, antes unidades da cosmovisión Mapuche em que o gênero humano é apenas um dos elementos de Wallmapu. Com um falso raccord, o personagem do menino deixa de ser o sujeito da visão, colocando-o como mais outro sujeito do habitat. Assim, não apenas subverte mas também destrói a estrutura do plano ponto-de-vista (PPV) e instaura a narratividade das forças da natureza que, não sendo unidades fílmicas, revelam-se parte da cosmogonia Mapuche daquelas comunidades. São dimensões cosmofílmicas que, ao investirem-se de elementos do mundo humano, não humano e mais que humano, aproximam-se da cosmotécnica de Glicéria Tupinambá.
[…] A artista narra uma série de episódios como um sonho, por exemplo, com o cacique Babau, em que ele a orientou a colocar somente penas de pássaro que não voam, “porque tem sua própria defesa, sabe se camuflar” (Tupinambá, 2021b, 13). E os pássaros começaram a conversar com ela, ensinar também, assim como ensinam seu pai, sua madrinha, as abelhas, as crianças, seu filho Ory que passa adiante o diálogo com uma tesoura em momentos decisivos para conquistar os modos de tramar o manto. Uma constelação de acontecimentos que são responsáveis por fazer viver o manto outra vez. Novamente, não como objeto, mas como sujeito de um ente que manifesta uma força […] (Castro & Fonseca, 2022, p. 506).
Na reflexão de Laura Castro e Carolina Ferreira Fonseca (2022), quando imergiram no manto Tupinambá que Glicéria refez com suas próprias mãos e saberes, essas dimensões emergiram como um ente, um vivente, um encantado e não, simplesmente, como um objeto. Nesse enclave, a cosmotécnica gliceriana compreende todo um sistema e uma constelação de entidades, um campo aberto de aprendizagem e de força coletiva.
Entrecruzamento de mundos, rupturas e continuidades
A história do contato acontece com um grau variado de aproximação, isolamento e integração dos povos indígena com as sociedades nacionais e, paradoxalmente, a dimensão comunitária indígena (histórica e/ou cosmológica); e as produções audiovisuais não deixam de intercederem-se nas lentes dos(as) realizadores(as): urbanos ou equidistantes entre a ancestralidade e a modernidade ocidental. Nesse sentido, se as cosmologias de Abya Yala, com a complexidade da história do contato, alimentam-se também das tensões com os estados nacionais, uma comunidade—integrada por grupos que compartilham base histórica e ancestral, códigos e manifestações culturais similares—também tem sua continuidade ou se constitui nas cidades ou nos grandes centros metropolitanos a partir de coletividades que conseguem manter e compartilhar tradições e identidades diferenciadas.
No contexto do cinema antropológico, em Os mestres loucos (1955), Jean Rouch registra essa incorporação do mundo dos brancos (personagens, relações de poder, situação colonial) por um grupo étnico africano urbanizado—os Hauçá—em um ritual de possessão que reencena o contato interétnico a partir da paródia de um desfile militar do Império Britânico em meio às cenas de transe. Nessa obra, personagens coloniais entram no rito Haouka, na periferia de Acra (Gana), em uma possessão sacrifical que reelabora, histórica e simbolicamente, o colonialismo britânico. Como lembra Caixeta de Queiróz (2004), Les Maîtres Fou ficou censurado por muito tempo na Inglaterra, pois se temia que “aquelas pessoas, em transe, comendo cachorro, babando, olhos virados, pudessem processar uma reflexão sobre o comportamento dos europeus”.
Ao estudar os casos das colônias da América espanhola e portuguesa, especialmente o catolicismo e a rebeldia no Brasil colonial, o historiador Ronaldo Vainfas (2022) chama a atenção para esse entrecruzamento de mundos: do indígena e do europeu—a partir da religiosidade, atestada ou não, do ponto de vista do colonizador, dos povos e nações originárias que, em situações emblemáticas, resvalou nos cultos da idolatria. Ao hierarquizar mundos e jogar o Outro rumo à animalização e à demonização, com Vainfas situado em Laura de Mello Souza (citada por Vainfas, 2022, p. 28), sabemos de um Ocidente assombrado pelo seu outro ou “pela sua exterioridade ‘selvagem’”, demonizando as práticas sacrificais humanas e os ritos antropofágicos, o culto às estátuas e aos elementos da natureza. Ultrapassando os domínios religiosos, observa que os movimentos milenaristas eram muito mais uma resistência ao colonialismo, expressando, simultaneamente, a rejeição do colonizador às tradições ameríndias e a afirmação aos seus próprios valores e crenças. Nesse contexto, ao separar as idolatrias ajustadas e as insurgentes, Vainfas (2022) atribui à última—entre a guerra cósmica e a luta armada (termos do autor)—uma dimensão anticolonial.
Nessa linha de confluências, César Guimarães (2012), no contexto do cinema indigenista, reflete sobre a série—produzida para a televisão—Os Arara (1980-) e os processos por parte dos indígenas isolados de reelaboração do seu complexo cosmológico para incluir o homem branco na cena do contato. No início dos anos 1980, o cineasta Andrea Tonacci filmou o trabalho de uma frente de atração da Funai junto ao povo Arara, na região de Altamira (PA), comandada pelo sertanista Sydney Possuelo, na margem esquerda do rio Iriri, com a situação do contato sendo modulada o tempo todo pela cosmovisão indígena que se alterava em conformidade aos interesses de “integração” ou de contato das famílias que se aproximavam, pois, na primeira fase do contato (1964-1979), os brancos eram concebidos como “espíritos maléficos”. Ancorado na etnografia de Márnio Teixeira-Pinto, Guimarães (2012, p. 55) contextualiza que, quando os brancos são ressignificados como “ïpari – aqueles que caíram do céu e pactuaram uma convivência pacífica no chão – […]. A relação conflituosa entre os brancos e os Arara (no passado) cedeu lugar a um acordo que passou a garantir relações de troca e reciprocidade”.
Nessa segunda fase, a cosmovisão Arara adequou a história do contato, ressignificando o Outro (branco) e o lugar que ocuparia em seu contexto situado internamente. Assim, conclui Guimarães (2012, p. 60), ao entrar no sistema ocidental de representação, os povos indígenas adentram um “processo no qual se imbricam captura e resistência, troca e negociação, reconhecimento e descobrimento, aparição e desaparecimento”. Isso significa que, entre a mise en scène e auto mise en scène, seguindo as reflexões de Guimarães (2012), elementos cosmológicos modulam as figuras de regulação, incorporação e afastamento, interações e campos de força entre os sujeitos da cena fílmica, nas quais o Outro, diante da câmera, participa—em maior ou menor grau—de um regime de desobediência às tentativas de controle do quadro: de classificação, ordenamento e captura; das redomas visuais aprisionadoras e centrípetas; da projeção do Um e do Universal sobre o múltiplo.
Ao filmarem a história e a cultura do seu povo, as lentes fílmicas indígenas urbanas, situadas em contexto externo ao território, não, necessariamente, prescindem dos códigos dos seus ancestrais, com os quais desenvolvem seus projetos audiovisuais. O grau de distanciamento não significa o anulamento da influência das problemáticas comunitárias, das cosmovisões e dos padrões culturais na definição das abordagens dos temas dos filmes, como constatamos, por exemplo, na ancestralidade que permeia os cinemas de Francisco Huichaqueo e Myriam Angueira: emblemáticos do sentido do comum, de escuta da lógica interna, política e cosmológica. Isso ocorre principalmente porque, com Pacheco de Oliveira (2016), sabemos que é da natureza das identidades étnicas não serem anuladas pela atualização histórica, que, ao contrário, pode adensar o sentimento de pertença. Isso nos permite situar os cinemas indígenas em outra chave estética, pois, não obstante seus vínculos com as origens, outros modos e formas cinematográficas emergem equidistantes entre a base ancestral e a sociedade nacional.
Da cena antropocêntrica a cena pluriepistêmica
Viveiros de Castro (1999) já chamava a atenção para o fato de que a antropologia indígena não secundarizava a situação colonial face à dimensão interna dos povos indígenas, pois, ao contrário, sempre tomou as dimensões externas e internas como simultaneamente constituídas:
Em primeiro lugar porque […] seus praticantes não consideram que as dimensões externas, tal como são determinadas pelos diversos regimes sociocosmológicos indígenas, sejam a mesma coisa que a sociedade nacional […]. Em segundo lugar porque, uma vez fixada a perspectiva no polo indígena, tudo é interno a ele – inclusive a ‘sociedade envolvente’. Todas as relações são internas, pois uma sociedade não existe antes e fora das relações que a constituem, o que inclui suas relações com o ‘exterior’. Mas essas relações que a constituem podem ser as relações que ela constitui (Viveiros de Castro, 1999, p. 120).
Nesse complexo, ao inverterem-se os espelhos, inverte-se também a relação sujeito-objeto para sujeito-sujeito, no contexto dos cinemas indígenas, especialmente porque, desse modo, os domínios do plano da enunciação e, por extensão, as relações entre os agentes do/no filme—de fatura indígena—coincidem.
Como já pontuamos em outro momento (Felipe, 2024a, 2024b), o perspectivismo ameríndio (Viveiros de Castro, 2017) e os estudos de Brasil (2016a, 2016b) movem-nos para uma discussão que amplia a problemática da constituição do sujeito nos contextos da história e do cinema, no que as dimensões cosmológicas engendram dimensões cosmofílmicas para compor a cena. Para além de tudo, coloca-nos a pensar sobre outras categorias de sujeito porque, afinal, no perspectivismo dos povos e das comunidades de Abya Yala, o multiculturalismo ocidental dá lugar a um multinaturalismo, por conseguinte, a uma miríade de agentes que atuam como outros intercedentes mediados pelo “mito que fala de um estado do ser onde os corpos e os nomes, as almas e as ações, o eu e o outro se interpenetram, mergulhados em um mesmo meio pré-subjetivo e pré-objetivo” (Viveiros de Castro, 2017, p. 308). Assim, a noção de território se alarga para outras entidades pertencentes ao habitar indígena, permitindo-nos adentrar a cena pluriepistêmica e (re)elaborar a experiência diante de um mundo mais amplo que é (e pode ser) acessado pelos/nos filmes no contexto das relações multiespécies, com agenciamentos complexos e sujeitos diversos.
[…] os humanos, em condições normais, veem os humanos como humanos e os animais como animais […] Os animais predadores e os espíritos, entretanto, veem os humanos como animais de presa, ao passo que os animais de presa veem os humanos como espíritos ou animais predadores […]. Veem seu alimento como alimento humano (os jaguares veem o sangue como cauim, os mortos veem os grilos como peixes, os urubus veem os vermes da carne podre como peixe assado etc.), seus atributos corporais (pelagem, plumas, garras, bicos etc.) como adornos ou instrumentos culturais, seu sistema social como organizado identicamente às instituições humanas (com chefes, xamãs, ritos, regras de casamento etc.) (Viveiros de Castro, 2017, p. 303-304).
Entre as perspectivas fílmicas e a base cosmológica das comunidades de Abya Yala— que deslocam o binômio naturezacultura para outra ordem perceptiva e outro estado de experiência do real (que, racionalmente, ocidentalizado, esfacela-se em sua ontologia), com as espécies de toda ordem se encontrando, coabitando e intercedendo-se—, abrem-se outras formas para pensarmos a cena fílmica indígena. Em contraponto a cena antropocêntrica, no sentido empregado por Maria Clara Ferrer (2017) quando refletiu sobre o contexto teatral: uma cena, em essência, comensurável apenas ao homem—unidade, centro e escala de medida—, cujas ações impõem uma maneira de ler o visível, estritamente, em uma lógica causal e linear.
Ao estudar as diversidades contaminadas no capitalismo industrial em ruínas, Tsing (2023) (re)inscreve outra concepção de paisagem oposta à da pintura europeia antropocêntrica, pois, em sua concepção, paisagem é categoria que agrega atividades humanas e não humanas, que se abre para outras sociabilidades e constitui um arquivo dessas atividades e inter-relações complexas entre múltiplos agentes. Assim, as cinematografias de Abya Yala, em sua multiplicidade de formas (cinematográfica, histórica, cosmológica), ocupa uma perspectiva contracolonial, colocando em oposição ao antropocentrismo ocidental o mundo histórico-natural de outros modos. Nesse enclave, entre as trajetórias que se originam nas comunidades e as que se formam nas urbanidades contemporâneas, se somente é possível compreender esse cinema dos povos indígenas como artefato impuro, cruzado e compartilhado (Brasil, 2016b), o complexo temático-formal das suas produções audiovisuais corrobora as várias configurações que essas cinematografias de Abya Yala têm ganhado.
Analisando contextos transcontinentais dos cinemas indígenas, em sintonia com a natureza plural de suas perspectivas, a antropóloga americana Faye Ginsburg (citado por Brasil & Gonçalves, 2016) apresenta questões sobre a problemática dos arquivos e das correlações com outros mundos. Na sua percepção “[Os] Filmes antigos retornam e são remontados pelas comunidades em suas produções. Esses são novos modos de retomar os arquivos, que podem suscitar novos materiais ou recuperar materiais de outros modos mais ligados aos interesses e protocolos nativos” (citado por Brasil & Gonçalves, 2016, p. 575). No marco da política norte-americana de uso das imagens de arquivo dos povos originários, considerando o caso do Smithsonian Institution, Ginsburg chama a atenção para as restrições a determinados filmes, com seus protocolos e regras quanto à difusão para um público diverso da comunidade-objeto (tematizado) ou do sujeito (realizador) das imagens; e à adoção de princípios de classificação nativos dos materiais (filmes, gravações, registros), para, em seguida, poder ser destinado à audiência— mais ampla ou restrita a determinada comunidade.
Nessa entrevista, Ginsburg (citado por Brasil & Gonçalves, 2016) comenta sobre o contexto do cinema indígena na Austrália quanto às imagens tabus ou interditadas, que, apesar de as mudanças dos últimos anos já terem causado variações na política aborígene, estendiam, do mundo histórico para o mundo das imagens, as restrições sobre o acesso a filmes com pessoas que já morreram.
Nesse sentido, o cineasta Yanomami Morzaniel Iramari Yanomami, em entrevista ao podcast Rádio Novelo Apresenta14, comenta sobre restrições em algumas comunidades quanto a filmagens de pessoas doentes ou recém-nascidas, pois, para os mais velhos, a câmera tem o poder de capturar o espírito das pessoas—de “puxar a alma delas” (Iramari, 2024). Após anos de contato com antropólogos, documentaristas e pesquisadores que visitavam sua comunidade desde a infância, Morzaniel Iramari começou a se aproximar, de uma forma ou de outra, da tecnologia audiovisual: primeiro, a fotografia; depois, o cinema. Em uma oficina promovida, em 2010, pela ONG Vídeo nas Aldeias, participou com mais dois jovens Yanomami e segurou pela primeira vez uma câmera. Antes de fazer seus documentários, já sabia das permissões e restrições, principalmente porque, em sua cosmologia, as imagens de pessoas mortas garantem a sobrevivência de quem já partiu. Em seu relato, lembra dos mais velhos Yanomami comentarem: “Essa imagem que você tá gravando, você vai levar pra onde? Você me tirou foto, minha foto não vai morrer. Eu morro, minha imagem vai ficar viva ainda” (Iramari, 2024).
Considerações finais
Entre o registro e a representação, um cinema como memória de fatos e tradições e como artefato político de denúncia e defesa do território e de outros modos e formas de habitar o mundo, as dimensões cosmofílmicas da base histórica dos povos, comunidades e nacionalidades de Abya Yala apontam para outras perspectivas quando pensamos nas cinematografias indígenas. Nesse sentido, superando a dimensão estética (registro/ representação) e a dimensão instrumental (memória/política), as cosmofilmias produzidas pelos(as) realizadores(as) indígenas acabam trabalhando no campo da experimentação— de forma imbricada—das imagens e da cultura.
Invariavelmente, a compreensão de que o cinema indígena congrega outras camadas do mundo (físico e espiritual, material e imaterial) aparece no âmbito dos discursos e das imagens, sendo a reflexão teórica simultânea à incorporação pelas imagens desses outros seres, indistintamente humanos, naturais e mais que humanos.
Nesse sentido, do registro mais direto à experimentação e à performance mais livres, a cena fílmica ganha outros contornos e, paralelamente às suas dimensões antropocêntricas, as dimensões pluriepistêmicas imprimem outras noções as imagens, sendo, permanentemente, distinções evidentes sobre o que pertence ao mundo dos filmes que não pertence também ao mundo da cultura. Ao olhar para o seu mundo e o mundo circundante, são especialmente os processos contracoloniais de autorrepresentação dos(as) realizadores(as) indígenas, trabalhando a partir dos fundamentos das suas cosmogonias, que destituem peremptoriamente as práticas coloniais de apagamento de sua presença na história. Assim, amplificam, ao modo de cada comunidade ou povo originário, as especificidades de (re)existências, coabitações e inter-relações entremundos que o cinema é capaz de acessar e revelar.
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Marcos Aurélio Felipe é professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN, tem doutorado em Educação e integra o corpo docente da área de tecnologias do Departamento de Práticas Educacionais e Currículo-DPEC, do Centro de Educação-CE. Com pós-doutorado pela UFPE e UFMG sobre cinematografias indígenas de Abya Yala no contexto da produção e da formação audiovisual, é autor dos livros Ensaios sobre cinema indígena no Brasil e outros espelhos pós-coloniais (Editora Sulina, 2020) e Outras fronteiras do cinema: colonialidade, contracolonização e cosmofilmias históricas nas cinematografias indígenas (Editora Sulina, 2024), que reúnem artigos e ensaios publicados em diversos periódicos acadêmicos.
To cite this article: Felipe, Marcos Aurélio (2025), ETÃN BË TALI BU: apontamentos sobre dimensões cosmofílmicas indígenas de Abya Yala La Furia Umana, 46. https://www.lafuriaumana.com/marcos-aurelio-felipe-etan-be-tali-bu-apontamentos-sobre-dimensoes-cosmofilmicas-indigenas-de-abya-yala/
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- Kumu e Kenhïri (2021). ↩︎
- Este artigo é resultado do projeto de estágio pós-doutoral “Cinematografias e comunidades de formação indígenas em Abya Yala: processos formativos e produção audiovisual dos povos e nacionalidades na América do Sul”, vinculado ao Programa de Pós-graduação em Comunicação (PPGCOM) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) com a supervisão do professor. Dr. André Guimarães Brasil. ↩︎
- Título de dossiê que organizou para o Estado da Arte: revista de artes visuais; da Universidade Federal de Uberlândia. ↩︎
- Reflexão feita anteriormente a partir da análise do documentário Já me transformei em imagem (2008), de Zezinho Yube Huni Kuin (Felipe, 2024a; 2022). ↩︎
- Sobre o cinema de Huichaqueo, em artigo mais amplo, abordamos suas operações contracoloniais diante dos regimes visuais do colonialismo (Felipe, 2024a; 2023). ↩︎
- Performance Transmutações: corpos-territórios contra o antropoceno na 6ª edição do Festival Imaginários Urbanos (2024). ↩︎
- Entrevista ao autor de Luis Tróchez Tunubalá (cineasta Misak do Cauca colombiano), em 2024 – por e-mail –, na qual reflete sobre o uso pejorativo do termo cinema indígena como se este se remetesse aos realizadores como videoastas e não cineastas. ↩︎
- Em estudo já citado, no entanto, Brasil (2016b) mostra como essas categorias do extracampo, antecampo e campo, nas cinematografias indígenas, constituem intervalos entre categorias dos estudos do cinema e do mundo dos povos indígenas – entre as dimensões cosmológicas e históricas. ↩︎
- Conforme depoimento no documentário Rewe Nguiñiwe, Aylla Rewe Budi (2014, Dir. Gerardo Berrocal e Juan Rain). ↩︎
- Dir. Divino Tserewahú e Tiago Campos Torres. ↩︎
- Dir.: Coletivo Guarani-Mbya. ↩︎
- Tunubalá e Tróchez são dois autores que, coincidentemente, têm o mesmo sobrenome de LTT. ↩︎
- “[…] lo que ya fue y va adelante; wento es lo que va a ser y viene atrás. Por eso, lo que aún no ha sido, viene caminando de atrás y no podemos verlo […]” (Hurtado et al., 2015, p. 56). ↩︎
- No segundo ato, “Uma filmagem e o fim de uma convicção”, apresentado por Carol Pires, como parte do episódio Eu sou um deles, publicado em 1º de gosto de 2024, nos canais do podcast Radio Novelo Apresenta. ↩︎