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CARLA MILANI DAMIÃO / A queda do céu: considerações sobre o Postscriptum de Bruce Albert

CARLA MILANI DAMIÃO / A queda do céu: considerações sobre o Postscriptum de Bruce Albert

Inicialmente gostaria de dizer que essas considerações advêm das reuniões da Rede Internacional de Grupos de Pesquisa “Cosmoestéticas do Sul” que, após reunir-se ao longo de mais de um ano, organizou uma Jornada sobre a obra estudada: A queda do céu. Palavras de um xamã yanomami, de Davi Kopenawa e Bruce Albert. A leitura, estudo e discussão da obra foi de fundamental importância para iniciarmos um aprendizado que ainda é iniciante.

Após muitos anos de pesquisa na área de Filosofia, Estética e Teoria Literária, a obra em questão despertou-me inicialmente o interesse pelo gênero a que poderia pertencer. É neste sentido que detive-me no Postscriptum de Bruce Albert[1] e sua proposta de um pacto etnográfico para a escrita e construção da obra em conjunto com o xamã Davi Kopenawa. O subtítulo do Postscriptum, “Quando eu é um outro (e vice-versa)”, traz questões de extrema relevância cultural, filiada a uma larga discussão da tradição francesa da escrita autobiográfica. Proponho investigar essa relação desenvolvida nesse escrito autorreflexivo de um dos autores da obra. Antes, porém, consideremos a obra como um todo em relação ao gênero de pertença, motivo das inquietações teóricas, éticas, culturais e pessoais do Postscriptum.

Ao perguntar-se sobre a que gênero literário pertencia a obra de Marcel Proust, Em busca do tempo perdido, Walter Benjamin forneceu uma possibilidade condizente com o projeto de Albert em respeito a Davi Kopenawa. A pergunta de Benjamin foi motivada por uma grande polêmica com as regras da narrativa em primeira pessoa do singular que levariam a obra de Proust à classificação de autobiografia. No entanto, boa parte dos críticos, após extenso debate, decidiram tratar-se de um romance, apesar da escrita em primeira pessoa do singular. Em “Imagem de Proust”, Benjamin apresenta uma grande solução disruptiva a qualquer regra ou tentativa de classificação da obra: “Diz-se com razão que todas as grandes obras da literatura fundam ou desfazem um gênero, são, em suma, casos excepcionais. Entre elas, essa, é uma das mais inclassificáveis”.[2]

O Postscriptum de Bruce Albert convida-nos a refazer essa intricada questão: a que gênero pertence a obra A queda do céu? A fim de responder a esse problema, acompanho os argumentos do próprio Bruce Albert. Faço uma observação do quanto, nesse acompanhamento, encontrei-me de volta à tradição da discussão francesa sobre gênero narrativo, cujos autores, como Gerard Genette, Philippe Lejeune (este diretamente citado) e, sem esquecermos o pai da autobiografia na França, Jean-Jacques Rousseau, reaparecem na construção de seu argumento sobre a construção da obra.

1. O conhecimento e o registro etnográfico

Nos termos de sua tradição, Bruce Albert faz uma “confissão” preliminar sobre sua formação acadêmica da “escrita etnográfica” na década de 1970 na Universidade de Paris X-Nanterre. Nessa formação e exercício de escrita, o “eu” era banido em prol do discurso objetivo e científico. Albert tece um comentário sobre o equilíbrio que busca em sua escrita etnográfica o qual, ao respeitar a escuta do outro, impede que caia em um discurso subjetivista, por ele caracterizado e abundantemente adjetivado como um “cansativo falatório crítico-narcísico”[3], típico dos “excessos introspectivos de um pós-modernismo”.[4] Ao seu ver, negar a objetividade durkheimiana, que guiava a escrita etnográfica que aprendeu, não significaria cair no extremo citado. Nem um, nem o outro, Albert oferece ao leitor um roteiro, desde os primeiros passos e décadas, de etnólogo. Nessa jornada, por ele intitulada como “modestos fragmentos de uma ego-história”[5], o leitor encontra argumentos sobre a constituição de sua escrita etnográfica e os procedimentos realizados na reunião da escrita da obra A queda do céu com Davi Kopenawa.

2. A “terceira margem” de Bruce Albert: a invenção de um procedimento de registro etnográfico… a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoaJoão Guimarães Rosa, “A terceira margem do rio”

É neste sentido que encontramos a “terceira margem do rio etnológico”[6]. A metáfora fluvial, que remete ao conto de Guimarães Rosa, serve a Albert para definir em seu relato histórico as duas margens identificadas e reconhecidas mundialmente: de um lado, o discurso iluminista sobre as etnias que ocultava mal seu etnocentrismo europeu ou ocidental; de outro, o discurso inflamado que poderíamos reconhecer como anti-colonial, em suas palavras: “contra o  cientificismo antropológico e o Ocidente etnocida.”[7] Na invenção da “terceira margem”, Albert apoia-se em Lévi-Strauss e na antropologia anglo-americana e segue o curso de “meio a meio”, sempre navegando. O que buscava nesse apoio conhecido, mas não convencionalmente adotado, era um caminho próprio ou, como diz: seu “campo” e seu “caminho na Amazônia indígena”.[8] De seu primeiro campo, veio a experiência como “alteridade cultural” e surgiram as “dúvidas éticas e políticas” no trato com essa alteridade. Neste ponto, um argumento conhecido em teorias familiares a Albert auxilia a construir uma ponte, bem sustentada por dois esteios: a ideia de pacto e a de uma nova proposta etnográfica. A ligação justificará a escrita conjunta com Davi Kopenawa.

3. O pacto etnográfico

Em primeiro lugar, a nova proposta de um trabalho etnográfico, para Albert, institui-se com base em três imperativos quais sejam:

Em primeiro lugar, evidentemente, fazer justiça de modo escrupuloso à imaginação conceitual de meus anfitriões; em seguida, levar em conta com todo rigor o contexto sociopolítico, local e global, com o qual sua sociedade está confrontada; e, por fim, manter um olhar crítico sobre o quadro da pesquisa etnográfica em si”.[9]

Albert caracteriza essa proposta como um saber situado: uma “situação etnográfica” que reúne uma vigilância ética e epistemológica e um engajamento político. Opondo à ideia de “adoção” à de “pacto”, ele destaca a importância do estabelecimento informal de um pacto na constituição do que o fundamenta: o “material etnográfico”. Dos passos que constituem este material resultou a escrita de A queda do céu. Há seriedade e detalhamento generoso na exposição desse processo.

Albert nos conta que empresta da teoria de Philippe Lejeune alguns conceitos, como o de “bastidores da primeira pessoa”[10] e, certamente, a teoria desse autor sobre o “pacto autobiográfico” que se estabelece entre autor e leitor[11] inspira a ideia de pacto etnográfico. Trata-se de um conceito que o próprio Lejeune retira de uma tradição pretérita, a do próprio pacto que se institui como escrita de si em Rousseau. Não que o filósofo genebrino aplique à identidade desse tipo de escrita os vários argumentos que lhe serviram para pensar o controle social necessário para a existência de um “contrato social”. Ele não tem dúvida da coesão da identidade narrativa baseada na consciência de si que se expressa pela chamada “escrita do coração”, uma escrita transparente daquele que se auto afirma com valentia, mesmo que soe defensiva ao leitor da obra As confissões, o modelo do gênero autobiográfico inaugurado por Rousseau. Podemos pensar que nesse gênero, o pacto, como ideia tributária de sua filosofia política, criada na esteira de outras propostas contratualistas, é definido com base na ideia de sinceridade, uma transparência almejada, mas nem sempre realizada diante dos embaraços criados pelos hábitos de uma sociedade injusta. O leitor deve acreditar em sua intenção de ser absolutamente sincero ou verdadeiro, jamais fiel, pois a fidelidade não é o critério da narrativa de si. É possível encontrar a ideia de pacto na escrita de Rousseau, também em seu último escrito autobiográfico, Os devaneios de um caminhante solitário, ao supor que a escrita de um eu múltiplo, pouco fidedigno ao que afirma, mas que tem por princípio ser verdadeiro, o que certamente equivale a não ser injusto com outros, seja a condição principal de sua recepção. 

É possível perceber que Lejeune segue essa condição quando requer que a identidade, que orienta a relação entre autor-narrador-personagem, seja real, pouco importando se a narrativa é fidedigna, verificável ou mesmo verdadeira em relação aos fatos. “Honrar a signature” seria a principal afirmação de seu pacto autobiográfico, mesmo que a manifestação desse possa sofrer variações. Como Rousseau, portanto, Lejeune não afirma a fidelidade como orientadora do pacto, mas a autenticidade (outro termo aproximado à sinceridade em Rousseau) como o principal elemento do pacto, caracterizado neste momento como “referencial”. A recepção conclui o pacto como “pacto de leitura”, tendo em vista o contexto das relações históricas em que se realiza. Autoria (signature), escritura e leitura correspondem à tripartição que realiza o pacto autobiográfico em Lejeune. Essa teoria, que influenciou tantas leituras de obras autobiográficas, não passou ilesa a muitas críticas. Paul De Man[12], em “Autobiography as De-facement”[13], busca desestruturar a definição de Lejeune. Em primeiro lugar, ao tentar elevar a autobiografia a um gênero literário, julgando que essa responde mal à tentativa. Acusa-o de criar uma auto indulgência “incompatível com a dignidade dos valores estéticos”[14]. A desqualificar a autobiografia como gênero literário, esse autor pretende afirmar que todo tipo de escrito, em maior ou menor grau, é autobiográfico. A autobiografia nada mais seria do que um “momento” por meio do qual “o autor declararia a si mesmo como o sujeito de seu próprio entendimento”.[15] O que parece determinante em sua tese é o que ele chama de momento especulativo como parte de todo entendimento. Esse entendimento revelaria uma estrutura tropológica, na qual repousa a possibilidade de todo conhecimento, inclusive o conhecimento de si mesmo. Sendo isso, para De Man, o mais importante, ele critica Lejeune e outros que, segundo afirma, “são obcecados pela necessidade de se transportar do terreno da cognição para a resolução e para a ação, do terreno especulativo para o político e para a autoridade legal”.[16] Esta afirmação lembra de perto a definição de Lejeune: “O nome no título da página não é o nome próprio de um sujeito capaz de um autoconhecimento e de entendimento, mas é a assinatura que fornece o contrato legal”.[17] Nesse sentido, haveria um deslocamento da identidade ontológica para a promessa do contrato.

Esse questionamento que De Man faz da teoria de Lejeune pode nos mostrar algumas diferenças úteis. A teoria de Lejeune inspira Albert a pensar o pacto etnográfico e é interessante a projeção que ele quer alcançar com essa herança francesa. Pois, mesmo reconhecendo que outros tantos procedimentos podem existir, Albert afirma acreditar que sua concepção de pacto etnográfico tenha inspirado outros pactos e que esses receberam a aprovação das organizações indígenas, tornando-se um modelo. Nessa altura, podemos nos perguntar sobre o equilíbrio de sua proposta, qual peso guiou sua escrita no posfácio da obra: o peso ontológico das palavras xamânicas em sua função de tradutor iniciático[18] ou o peso ético e político que constitui a proposta do pacto etnográfico.

4. Diplomacia, escuta e tradução: truchment às avessas

A resposta não elimina nenhum de seus termos e mostra uma versão ao mesmo tempo radical e desviante da tradição da qual provém o autor. Vários procedimentos entrecruzados sedimentaram durante décadas esse processo, entre eles o aprendizado da língua dos Yanomani e o trabalho constante de tradução. Esse trabalho é, em primeiro lugar, um trabalho de escuta do aprendiz e daquele que estabelece sua primeira aliança com o povo e com Davi Kopenawa. Cito o autor ao ensinar ao leitor o seguinte: “Na melhor das hipóteses, o etnógrafo que acredita estar ‘colhendo dados’ está sendo reeducado, por aqueles que aceitaram sua presença, para servir de intérprete a serviço de sua causa”.[19] Ele compara esse trabalho aos franceses que no século XVI eram deixados na França Antártica na Guanabara em aldeias Tupinambás para aprender a língua e os costumes e servir de intermediário no comércio entre colonos e povos indígenas (ele cita Navet diretamente para fundamentar essa informação). O nome dado a eles era turgimão – truchement, em francês. Albert revê essa figura para revertê-la e recompô-la no trabalho etnógrafo como um “truchement às avessas”[20]: aquele que adquire uma função ética e política em seu trabalho etnográfico. Nesse sentido, afirma o autor:

Nada nessas ponderações éticas e políticas pretende ser outra coisa senão a reinvenção, para uso próprio, de um modo de praticar a etnografia […] Evoco-os aqui apenas porque permitem lançar alguma luz sobre a gênese de minha colaboração com Davi Kopenawa, a qual, justamente, constitui uma versão radical do ‘pacto etnográfico’ que acabo de descrever.[21]

O trabalho do etnógrafo, portanto, configura-se como uma camada mais espessa em relação às teorias da autobiografia, seja em sentido ontológico ou ético e político. Ao mesmo tempo, a busca por justificar o tipo de escrita constituída ao longo desse trabalho de iniciação, o aprendizado linguístico, a prática da tradução (e da intraduzibilidade), da escuta (e gravação), e, por fim, da escrita (e montagem), buscou na tradição na qual se insere o autor, elementos para explicar sua constituição.

5. Um “experimento intelectual entre dois mundos”

Até aqui percebemos um dos autores e o estabelecimento de um novo procedimento etnográfico que o levará à constituição da escrita conjunta com Davi Kopenawa. Quando chegamos a ele, percebemos que não se trata apenas de dois autores de culturas diferentes, que estabelecem um acordo de respeito mútuo, mas que caberá à diplomacia de Bruce Albert entender a função diplomática xamânica que Davi exerce entre dois mundos. Ancestralidade, xamanismo, cura e uma visão política crítica e histórica dos brancos tomam o protagonismo da narrativa. As associações indígenas, os órgãos estatais, como a FUNAI, as invasões e criação oficial de territórios indígenas ganham vulto na obra como um documento histórico de luta e de opressão. É nesse campo que surge Cláudia Andujar em sua aliança robusta com Davi Kopenawa.  Bruce Albert compõe outra forte aliança na condição que ele próprio institui como etnógrafo: “o redator discreto”[22] que efetua o trabalho de escuta, tradução e transcrição de uma diplomacia que é, ao mesmo tempo, política –nacional e internacional-, nos embates locais, no diálogo com as instituições e governos nacionais, e também com o diálogo e apoio internacional. Uma diplomacia igualmente cósmica, nas intermediações xamânicas que estimulam a escrita dos primeiros capítulos da obra. O trabalho de Albert flutua na terceira margem, sem perder de vista o xamânico e o político que constituem o agir diplomático de Davi Kopenawa. Essa mediação explícita do “redator discreto” não busca apagar ou simular a existência do mediador de uma fala diplomática ou, como prefere Viveiros de Castro, citado por Albert, “intermediadora” ao referir-se à superação de uma escrita etnográfica tradicional nessa obra:

Se o xamanismo é essencialmente uma diplomacia cósmica dedicada à tradução entre pontos de vista ontologicamente heterogêneos, então o discurso de Kopenawa não é apenas uma narrativa sobre certos conteúdos xamânicos – a saber, os espíritos que os xamãs fazem falar e agir; ele é uma forma xamânica em si mesma, um exemplo de xamanismo em ação, no qual um xamã tanto fala sobre os espíritos para os brancos, como sobre os brancos a partir dos espíritos, e ambas as coisas através de um intermediário, ele mesmo um branco que fala yanomami.[23]

Gostaria de, por fim, referir-me a outra definição do Postscriptum de Bruce Albert recolhida de Claude Lévi-Strauss da “arte como último refúgio do pensamento selvagem em nossa sociedade”.[24] A ideia de um “último refúgio”, neste caso adotada por Lévi-Strauss e reunida ao pensamento selvagem, repercutida novamente por Albert em A queda do céu é tão francesa quanto a de “pacto”. Essas fusões mostram não apenas a busca por um enlace de culturas (o oposto do pretenso apagamento de uma sobre a outra), mas também uma fusão subjetiva entre seus autores que, para Albert, não são apenas o “eu narrador” e o “eu redator”, mas um “ser só”, baseado em um processo de “despersonalização lírica”.[25] Essa “despersonalização” narrativa ampara-se na fórmula de Rimbaud, quando em carta a Georges Izambard em 13 de maio de 1871, escreve: “Je est un autre”. Essa conhecida frase, que se tornou uma espécie de fórmula para pensar a enunciação autobiográfica, e que foi título do livro de Philippe Lejeune em 1980, parece tornar a literatura e a teoria literária um freio emergencial para refletir sobre a identidade narrativa. O “eu é um outro” ou “muitos outros” aplica-se tanto a um único indivíduo imerso na temporalidade fugaz de sua vida, transformando-se e multiplicando seus “eus”, quanto à proposta da identidade narrativa de Albert. Desse ponto, voltaríamos à unidade ontológica narrativa que compõe a obra de forma a rever as relações apresentadas, de modo a descobrir uma camada mais densa e encobridora das demais, acima da identidade do etnógrafo, nela envolvido e abraçado. É nesse sentido que Albert repensa o modelo da autobiografia e o da heterobiografia (modelo diferente da biografia), como modelos referenciais, mas não condizentes com o resultado da escrita da obra A queda do céu, pois nela o “eu narrador” é indissociável do “nós”, um coletivo presente e pretérito em termos geracionais. Segundo conclui Albert, ao ler a obra: “… o que ouvimos é um ‘eu’ coletivo tornado autoetnógrafo, movido pelo desejo ao mesmo tempo intelectual, estético e político de revelar o saber cosmológico e a história trágica dos seus aos brancos dispostos a escutá-lo”.[26] Trata-se de uma definição suficientemente precisa do diálogo referencial sobre o gênero ao qual poderia pertencer a obra.

Considerações finais

Embora a última definição pareça satisfatória, volto a Walter Benjamin para, por ora, concordar com o que foi por ele postulado. A queda do céu. Palavras de um xamã yanomani não é um livro qualquer, mas uma obra que inaugura um gênero próprio e sedimentado em pressupostos sólidos que são éticos, estéticos e políticos como Albert pressupõe igualmente. Ao meu ver, é neste sentido que a ideia de “pacto etnográfico” que regra a escrita comum poderia ser compreendida, apesar das razões expostas por De Man em relação à certa necessidade de transportar a escrita (auto)biográfica para o registro contratual legal, limitando sua potência representacional, cognitiva e ontológica. Neste caso, contudo, o respeito étnico, a diplomacia e a luta política, parecem justificar o elo com a escrita das palavras xamânicas de Davi Kopenawa, escritas e traduzidas por Albert, porque inserem-se em um conhecimento cósmico ancestral -aberto com seriedade por Davi Kopenawa e Bruce Albert- ao conhecimento de todos. Dessa maneira, como obra de conhecimento cósmico, filosófico e político tem sido cada vez mais estudada nos departamentos de Filosofia e cursos diversos, cumprindo sua promessa diplomática. Permanece, no entanto, encoberta em camadas densas de questões que demandam tempo, aprendizagem e expansão cognitiva para que as palavras xamânicas possam ganhar a dimensão proposta por seu autor.

Carla Milani Damião

Universidade Federal de Goiás – UFG

Referências bibliográficas

Bruce Albert, Postscriptum. Quando o eu é um outro (e vice-versa), A queda do céu: palavras de um xamã yanomami, Tradução de Beatriz Perrone-Moisés, Editora Schwarcz, São Paulo, 2021, 14ª reimpressão.

Walter Benjamin, “Imagem de Proust”, Walter Benjamin. Diário parisiense e outros escritos, Organização, tradução e notas de Carla Milani Damião e Pedro Hussak, Editora Hedra, São Paulo, 2020.

Carla Milani Damião, Sobre o declínio da “sinceridade”. Filosofia e autobiografia de Jean-Jacques Rousseau a Walter Benjamin, Editora Loyola, São Paulo, 2006.

Paul De Man, “Autobiography as De-facement”, Modern Language Notes, 94, 1979, p.919-930.

Philippe Lejeune, Je est un autre: L’autobiographie, de la littérature aux média, Éditions du Seuil, Paris, 1980.

_________ Le pacte autobiographique. Collection Poétique, Éditions du Seuil, Paris, 1975.

Davi Kopenawa e Bruce ALBERT. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami, Tradução de Beatriz Perrone-Moisés, Editora Schwarcz, São Paulo, 2021, 14ª reimpressão.

Arthur Rimbaud, Correspondência, Tradução de Ivo Barroso, Topbooks, Rio de Janeiro, 2009.

Jean-Jacques Rousseau, Oeuvres Complètes, Les Confessions. Autres textes autobiographiques. Ed. B. Gagnebin, M. Raymond, Gallimard, Paris, 1959.

Eduardo Viveiros de Castro, O recado da mata [Prefácio], In Davi Kopenawa e Bruce Albert, A queda do céu: Palavras de um xamã yanomami, Editora Schwarcz, São Paulo, 2021, 14ª reimpressão, p.11-41.

Evelyn Schuler Zea. “Tradução como iniciação”, Cadernos de Tradução, Florianópolis, v. 36, nº 3, p. 192-212, set.-dez.2016


[1] Bruce Albert, “Postcriptum”, A queda do céu. Palavras de um xamã yanomami, Tradução de Beatriz Perrone-Moisés, Ed. Schwarcz, São Paulo, 2021, 14ª reimpressão, p.512-549.

[2] Walter Benjamin, “Imagem de Proust”, Walter Benjamin. Diário parisiense e outros escritos, Tradução de Carla Milani Damião, Editora Hedra, São Paulo, 2020, p.107-128.

[3] Bruce Albert, op. cit., p.512.

[4] Idem, p.512.

[5] Ibidem, p.513.

[6] Ibid., p.515. Na nota 10 do Postscriptum, Bruce Albert, ao utilizar “terceira margem” entre aspas, faz referência ao conto de João Guimarães Rosa intitulado “A terceira margem do rio”.

[7] Ibid., p.515.

[8] Ibid., p.516.

[9] Ibid., p.520.

[10] Ibid. verificar nota 73 do Postscriptum.

[11] Ibid., p.538.

[12] Faço aqui uma autocitação modificada. Cf. Carla Damião, 2006, p. 36-38.

[13] Paul De Man, “Autobiography as De-facement”, Modern Language Notes, 94, 1979, p.919-930.

[14] Idem, p 919.

[15] Ibidem, p.921.

[16] Ibid., p.922.

[17] Ibid., p.922.

[18] Cf. Evelyn Schuler Zea, “Tradução como iniciação”, Cadernos de Tradução, Florianópolis, v. 36, nº 3, p. 192-212, set.-dez./2016.

[19] Bruce Albert, 2021, p.521-522.

[20] Idem, p.522.

[21] Ibidem, p.522.

[22] Ibid., p.536.

[23] Eduardo Viveiros de Castro apud Bruce Albert, op.cit., p.540.

[24] Bruce Albert, op. cit., p.534. Referência à obra La pensée Sauvage, Plon, Paris, 1962, p.290. Ver nota 68 com referências complementares. Ver Henri Peyre, Literature and Sincerity, Yale University Press, New Haven/London, 1963, obra que percorre a história filosófica e literária sobre o conceito de sinceridade na literatura do século XIX francês e cita a ideia de “último refúgio” ao tratar da falência do gênero da autobiografia e a afirmação do diário, considerado uma espécie de subgênero, que vem servir como o “último refúgio” da sinceridade proclamada por Rousseau em suas Confissões, cuja escrita foi iniciada em 1767 (Manuscrito de Neuchâtel), concluída em 1769 e publicada postumamente em 1782.

[25] Por “despersonalização lírica”, outro conceito emprestado de Philippe Lejeune (ver nota 85: Je est um autre L’autobiographie, de la littérature aux medias, Poétique, Paris, 1980, p.239) Albert entende o momento no qual “o outro se torna um ‘eu’” (p.538), quando “o redator pode pretender, com alguma legitimidade, transmitir palavras de seu ‘modelo’, escrevendo-as ‘em seu lugar’” (p.538).

[26] Bruce Albert, op. cit., p.539.